terça-feira, 11 de junho de 2013

Ser Surda e crescer numa família de ouvintes


Nasci surda no meio de uma família de ouvintes, fiz um Implante Coclear aos 3 anos, contrariamente à maior parte dos I.C., o meu não funciona plenamente porque também nasci com uma atrofia dos nervos auditivos, o que faz com que I.C. não tenha o sucesso que tem noutros jovens implantados. 

Mas apesar disto o I.C. para mim é um milagre porque ainda assim consigo ouvir alguns sons mas outra vez escreverei só sobre o meu I.C. Agora só quero falar de ser surda e viver no meio de uma família de ouvintes.

Os meus pais são maravilhosos e esforçam-se muito, o meu irmão às vezes não se lembra que eu sou surda e, por isso, ainda hoje fala depressa demais.

A minha mãe é aquela pessoa que melhor me entende e que mais conversa comigo e entendemo-nos perfeitamente(oralmente) mas já falámos em L.G.P.(a minha mãe tirou o curso de Interprete de Língua Gestual Portuguesa).

O resto da família, avós, tios, primos são pessoas que pouco falam comigo.

Nos almoços de Domingo, os meus pais traduzem-me a maior parte do que se fala à mesa, mas as outras pessoas(tios, primos) nem se dão ao trabalho de me incluírem nas suas conversas!

Põe-me logo à parte!!!É como se eu fosse invisível!

Já me senti muito revoltada, às vezes ainda me sinto, sobretudo quando as pessoas me perguntam alguma coisa e me viram costas enquanto estou a responder, fico furiosa!

E se isto acontece em família imaginem como será com as outras pessoas que não são família.

É verdade, isto é a minha vida. É tentar encontrar pessoas que tenham calma e inteligência para me perceberem(porque a minha voz e maneira de falar é diferente, é preciso  habituação e calma) e para eu os perceber(porque este é o meu maior problema, não consigo perceber logo o que as pessoas dizem, depende da forma como falam) e então peço para repetirem uma vez, duas vezes, três vezes, às vezes se ainda não percebo, desisto(para mim a 3ª vez é de vez).

Claro que posso sempre fingir que percebo tudo, como muitas pessoas surdas fazem, dizem que percebem tudo, dizem que sim e sorriem, ficando os ouvintes com a sensação que nós percebemos tudo e que temos super-poderes(o nosso super-poder da leitura labial ajuda, mas não dá para perceber tudo) mas eu não sou assim, não me resigno(não aceito), quero perceber, quero saber do que falam, do que se riem, porque estão alegres ou zangados.

Quero saber "o que se passa", quero saber TUDO e AO MESMO TEMPO!!!Sou chata? se calhar sou,dá trabalho???

Sim dá, mas eu tenho esse direito, sou da família, as relações começam na família! (Tenho uma única prima quase da minha idade que nunca fala comigo, encontramo-nos todos os fins de semana e quando tento falar com ela, ela diz que não me percebe e vira-me costas, PORQUÊ??? Ela é uma óptima aluna, por isso a inteligência não lhe falta, então qual é o problema? dá trabalho, por isso só posso concluir que ela não tem paciência para mim).

E talvez se a família mudar , as outras pessoas se esforcem também!

Às vezes sinto-me uma estrangeira no meu próprio País!

Uma vez perguntaram-me se era melhor ser surda ou cega,(esta pergunta já é estúpida, mas ainda assim respondi),respondi que prefiro ser surda embora as pessoas surdas se sintam mais isoladas que as cegas.

Citando Helen Keller:
"A cegueira afasta as pessoas das coisas, mas a surdez afasta as pessoas das pessoas"



Sofy*

7 comentários:

  1. Gostei imenso desta tua publicação Sofia porque sei que é verdade tudo o que dizes sobre a (des)intregração social dos surdos.

    Acho triste que as pessoas nem se dêem ao trabalho de tentar perceber e comunicar com um surdo, porque afinal vocês são pessoas normais.

    És uma das melhores pessoas que conheci até hoje e nao foi o facto de seres surda que impediu que nos tornássemos amigas.
    De inicio, foi complicado percebermo-nos, porque eu falava muito rápido e não estava habituada à tua maneira de falar. Mas com o tempo, a habituação e um esforço conjunto, conseguimos aprender a comunicar melhor e sem qualquer problema.

    Acho-te fantástica e aplaudo o esforço que fazes para falar e compreender os ouvintes, porque assim só abres portas para o teu futuro.

    Adoro-te chica <3

    Ofélia :)

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    1. Adorei o teu comentário Ofélia, obrigada amiga :)
      De facto tu és uma das minhas melhores amigas(não é que tenha muitas mas as que tenho são boas ;))... Também te admiro muito e espero que quando formos "quarentonas" continuemos grandes amigas tal como somos agora.

      Também te adoro Fela* :)

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  2. Gostei muito de ler as tuas palavras, o teu desabafo, o teu grito.. É triste, realmente, quando nos sentimos assim, impotentes, com tanta gente à nossa volta e tão sozinhos.. Mas acredita, quem gosta mesmo de ti, esforça-se todos os dias ou cada vez que está contigo por te ouvir e falar contigo, tenho a certeza! Às vezes revolto-me com algumas situaçóes com pessoas próximas, e chego à conclusão: Só faz falta quem cá está. Por isso.. aproveita quem está sempre do teu lado. Beijinho grande***

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  3. Tenho um menino implantado em casa, e nem consigo imaginar ninguém a tratá-lo assim! Vocês, não são diferentes de ninguém, só se for por serem mais especiais! Mais lutadores! E nos ensinarem tanto! As pessoas que lidan assim contigo, sao pobres de espírito! E talvez até o façam por não saber lidar com o desconhecido! Medo de te magoar, plo facto de te sentires inferior! Mas isso e o k elas acham! Não és! Conheci te na casa do surdo em
    Matosinhos, e digo te k és uma menina fantástica e linda! Continua assim! És um exemplo! Beijinho

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  4. É assim mesmo que nos sentimos isolados de todos mesmo com tantos ao redor!! quer um conselho não ligue para o que os outros pensam, sei disso por que lido com isso todos os dias. Você é uma menina fantástica !!!! continue assim. O seu blog está indo de encontro com a realidade de muitos...


    parabéns pela iniciativa.

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  5. Olá, tenho 30anos, otosclerose bilateral severa e estou prestes a fazer a cirurgia para colocação do implante. Ao contrário do teu caso a minha audição já teve fases boas em que ouvia quase normalmente (após cirurgias, próteses) e também já passei por fases em que a audição foi decrescendo até à situação em que estou agora.
    Tudo isto para dizer que, mesmo nas fases melhores, sempre tive dificuldade em ambientes com muita gente (tipo família à mesa ou jantares de amigos) e sempre me habituei a não apanhar metade das conversas. A frase da Helen Keller diz tudo porque não só me tornei algo indiferente aos olhos de algumas pessoas como me afastei delas - em certos ambientes é mais fácil "desligar" o cérebro do que fazer um esforço hercúleo para tentar perceber.
    Neste momento estou numa espécie de fase de introspecção acerca da minha surdez e de como isso condicionou a minha vida e da atitude que devo ter daqui para a frente, como futura implantada. Sempre fiz a minha vida normal e nunca pensei muito nisto mas se calhar em muitas situações poderia ter explicado às pessoas que oiço mal e fiz só um sorriso amarelo e isso afastou-nos. Ler outras experiências ajuda. Obrigada pela partilha.
    Joana

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  6. Uso AASI, mas me sinto assim como vc descreveu aí no seu texto. 😘

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